Entrevista à Psicóloga Sara Oliveira
Sara foi também atleta do Juventude Vidigalense
Sara Oliveira foi atleta do Juventude Vidigalense, dedicada essencialmente às provas de 400 metros. A sua formação académica é na área da Psicologia e no âmbito do seu Doutoramento em Psicologia Clínica no contexto desportivo, realizado na Universidade de Coimbra, está a realizar um protocolo de acompanhamento a alguns dos nossos atletas entre os 13 e os 18 anos.
1. Em que consiste e qual o principal objetivo da tua abordagem com os nossos atletas?
O objetivo desta abordagem com os atletas é ajudá-los a diminuir os níveis de ansiedade desportiva e aumentar os seus níveis de bem-estar. Apesar dos benefícios do desporto, sabemos que muitas das vezes os atletas vivenciam a prática desportiva não apenas como uma atividade prazerosa e desafiante, mas também como uma situação ameaçadora, associada ao medo de falhar, à vergonha, à ansiedade e a outras emoções difíceis. Neste sentido, desenvolvi um programa (PLAYwithHEART) composto por 8 sessões grupais de 45 minutos que ajuda os atletas a compreenderem o funcionamento da sua mente, e a lidar com emoções e pensamentos difíceis, através do desenvolvimento de estratégias baseadas no mindfulness (atenção plena), aceitação e compaixão. Estas competências permitem diminuir a ansiedade desportiva, promover a coesão entre os colegas de equipa, aumentar os níveis de atenção, otimizar o desempenho desportivo, e, sobretudo, aumentar o prazer pela prática desportiva e bem-estar.
2. O facto de teres sido atleta facilita a tua abordagem?
Sim, seguramente. O facto de ter sido atleta permite-me identificar e compreender melhor as dificuldades e desafios vivenciados pelos atletas. Neste sentido, torna-se mais fácil facultar estratégias que os atletas possam colocar em prática em situações específicas quer de treino, quer de competição.
3. Consideras que a Pandemia teve alguma interferência na parte psicológica dos jovens em geral?
Sim, sem dúvida. As múltiplas restrições inerentes à pandemia têm tido um forte impacto na saúde mental dos jovens. Esta pandemia não só alterou as rotinas diárias de todos nós, como também limitou a interação social. A limitação do contacto pessoal com colegas, amigos, professores e/ou treinadores, o uso excessivo das redes sociais, a diminuição da partilha de emoções e da atividade física, e as alterações nas dinâmicas familiares são fatores que conduzem a sentimentos de incerteza, perda de controlo, ansiedade, raiva e tristeza nos jovens. Também o setor desportivo tem sido alvo de múltiplas restrições, o que despoletou desafios adicionais aos jovens atletas. Globalmente, os atletas têm reportado sintomas de ansiedade, stress e depressão, associados às preocupações relativas à sua prática desportiva, à gestão de expetativas e à motivação. Note-se ainda que muitos dos jovens atletas apontam o desporto como uma atividade que lhes dá prazer, o que evidencia a prática desportiva como um fator protetor relativo a questões de saúde mental. Assim, e de forma a olhar para o “copo meio cheio”, posso apenas concluir que um dos poucos fatores positivos que resultaram desta pandemia foi o aumento da consciência da importância da saúde mental e do desporto para a saúde.
4. Qual é o maior desafio nesta abordagem com os jovens?
Grande parte do tempo, vivemos e agimos de forma automática, sem pensar ou refletir sobre as nossas ações e comportamentos. Frequentemente, passamos os dias a correr, temos muita informação para gerir, pelo que é normal que sintamos a nossa mente muito agitada. Os jovens não são exceção. Pior! Já nasceram no meio desta incessante correria. Muitas vezes, sentem que a vida lhes passa entre os dedos, sentem-se impotentes e com dificuldades em tomar decisões, sem prestar muita atenção ao que passa ao seu redor. Nesta abordagem com os jovens, é promovido um abrandamento. É promovido o contacto com o momento presente, contrariando a tendência da nossa mente para estar constantemente a viajar entre o passado (“devia ter feito/dito isto ou aquilo”) e o futuro (“será que aquela prova me vai correr bem?”). E isto não é fácil! Considero que promover o contacto com o presente é um dos grandes desafios desta abordagem, principalmente quando nos movemos numa sociedade onde tudo é necessário para ontem. Promover o contacto com as nossas sensações e emoções, reconhecer os nossos padrões de pensamento e comportamento pode ser crucial para os jovens viverem uma vida de acordo com aquilo que realmente valorizam e que lhes dá vitalidade. No entanto, para isso é necessária disponibilidade e tempo. Assim, considero que um dos desafios é que os jovens se conectem com o presente e com aquilo que realmente importa, não só na sua vida em geral como no desporto, o que poderá contribuir para boas performances, sem descurar a qualidade da participação desportiva, enfatizando o desporto como contexto de oportunidade para a promoção da saúde e bem-estar.
5. Que conselhos darias aos jovens para ultrapassarem as suas dificuldades e desafios?
A adolescência é uma etapa de vida marcada por múltiplas mudanças e desafios (quer a nível físico, mental, como social). Tendo em consideração que os jovens experienciam uma das etapas mais exigentes do ciclo de vida, é normal que muitas vezes se sintam assoberbados por emoções e pensamentos difíceis. Assim, é importante que os jovens se lembrem que não são os únicos a passar por estas dificuldades, que partilhem as suas emoções e pensamentos com pessoas nas quais confiem e que peçam ajuda sempre que precisarem. Raramente nos ensinam a lidar com eventos desafiantes, quer internos (como emoções e pensamentos), como externos (como por exemplo, a pressão para alcançar determinados desempenhos quer a nível escolar como desportivo). Portanto, como seria suposto que os jovens tivessem ferramentas para lidarem sozinhos com isto? A todos os jovens sugiro que experimentem partilhar as vossas preocupações e emoções, porque o resultado pode ser surpreendente. Aos pais e professores/e ou treinadores, aconselho que estejam atentos à mudança no humor e comportamento dos jovens, afinal eles serão o reflexo do nosso amanhã.